Detentor de uma voz poderosa e
extremamente original, Freddie Mercury, apresentou ao mundo aquela que talvez
tenha sido a voz mais imponente da história do rock.
O presente artigo têm o intuito de
esmiuçar a voz do Freddie Mercury, externando algumas de suas características
mais marcantes.
• Características vocais:
Freddie Mercury tinha uma voz
extremamente versátil, capaz de transitar, com a mesma competência, por regiões
graves, médias e agudas. Por muito tempo, acreditou-se que Freddie era tenor
ligeiro, ele tinha um histórico invejável, com a excelente área de 3 oitavas e
uma sexta maior, incluindo seu falsete (F1 - D5).
Como o falsete não conta como parte da faixa real de uma pessoa, o seu alcance
real na voz plena era de três oitavas (F1 - F4).
Mas, na realidade, Freddie, segundo ele
próprio, era barítono, e não tenor. Sua gama mais grave (abaixo de C2) não faz
parte da gama de um tenor. Freddie fora um barítono, que cantou a maior parte
de sua carreira, na tessítura de um tenor, principalmente nos anos 70.
Normalmente mantinha sua voz entre G2 e
G3, sendo que sua voz de cabeça o ajudava a atingir notas altíssimas com
facilidade, como pode ser conferido em 'Somebody To Love', onde Freddie
demonstra total controle de sua voz, além de técnica primorosa, para um
auto-didata. Em algumas músicas do Queen, Freddie chegava a
atingir um C4, por intermédio de sua voz de belting e falsete, mas não era uma
região confortável para ele, e em virtude disto, ao atingir esta nota, não
soava tão natural.
Com o decorrer de sua carreira, Freddie
permitiu-se transitar com a sua voz entre E2 e F # 3 (uma terça menor abaixo do
seu recorde anterior), embora tenha demorado um pouco para chegar à esta marca
confortavelmente. Freddie costumava transitar com sua voz de cabeça entre D3 e F
# 3, sendo que o seu falsete, normalmente, transitava entre F3 e G3.
Em "Exercises In Free Love'
Freddie alcança um C3, sua nota mais baixa em falsete, sendo que ele vai de A3
até o C3, e em alguns momentos (imperceptíveis para ouvidos não treinados), ele
chega em D3, saindo do falsete para sua voz de cabeça, em uma mudança
repentina, difícil de notar durante a música, e segue transitando entre C3 e D3
durante a canção.
Ao falar, Freddie mantinha sua voz
entre B1 e G2, variando foneticamente, dependendo de inflexões de sotaque
(embora tenha nascido em Zanzibar, Freddie tinha um forte sotaque britânico,
cheio de maneirismos e peculiaridades). Na maior parte do tempo mantinha sua
voz falada em E2.
• História Vocal:
A princípio, acredita-se que Freddie
era auto-didata, o mesmo declarava abertamente que nunca havia estudado técnica
vocal, entretanto, por tratar-se de um multi-instrumentista, Freddie tinha um
ouvido bem treinado e apurado, capaz de identificar tons com facilidade, o que
certamente lhe ajudou a desenvolver suas habilidades ao cantar. O único contato
que Freddie teve com técnica vocal, fora em um internato, na Índia, quando
fazia parte do coral da instituição, onde ele desenvolveu boa parte de sua
habilidade de canto.
Com a idade, e o excesso de álcool e cigarros, a
voz de Freddie foi naturalmente endurecendo, e se tornando um pouco mais grave,
como pode ser aferido no show realizado em Wembley, em 1986, onde se, comparado
aos concertos dos anos 70, e embora Freddie se mantivesse afinado, a diferença
entre sua voz nos anos 70 para os anos 80 era extremamente perceptível, não
estava nem pior, nem melhor. O que ele perdeu em leveza, ganhou na mesma
proporção em potência, sendo que sua voz, até o último ano de sua vida,
manteve-se excepcional.
A voz do Freddie pode ser dividida em
três fases distinta:
- 1972 até 1974 (Predominância de falsetes e voz de cabeça)
- 1975 até 1980 (Predominância de voz mista e voz de cabeça)
- 1980 até 1991 (Predominância de voz de peito e voz mista)
Antes de gravar seu primeiro álbum com
o Queen, Freddie tinha o
nome artístico "Larry Lurex", e sob este nome, gravou duas canções
demos, que serviram como base para que Brian May e Roger Taylor o aceitassem
como substituto de Tim Staffell na banda Smile, banda esta, que serviu como
embrião para a criação do Queen. A primeira canção
gravada fora "Goin Back" (Cover da cantora Carole King) e a outra
canção gravada fora "I Can Hear Music" (Cover dos The Beach Boys).
Nestas duas canções, nota-se que Freddie cantava de forma muito aguda,
demonstrando o que talvez tenha sido o seu maior registro cantando por meio de
falsetes. Em "Goin' Back", Freddie canta quase sempre acima da F3, e
em "I Can Hear Music", a tônica é uma G3. Pode se dizer que sua voz
soava como a de uma mulher.
No álbum "Queen", Freddie
continua, em alguns momentos, demonstrando esta tendência externada em sua
época como Larry Lurex, como pode ser aferido em canções como "Liar",
"Doing All Right", "The Night Comes Down" e "My Fairy
King'.
Em Queen II, esta voz
aguda continua sendo notada. Como pode ser
aferido em canções como "White Queen", "The Fairy Feller's
Master Stroke", "Nevermore", "The March Of The Black
Queen", "Funny How Love Is" e "Seven Seas Of Rhye".
Já em Sheer Heart Attack, Freddie abre
mão da predominância por agudos e se concentra mais nas regiões dos médios e
graves, e embora os agudos continuem presentes, nota-se que sua voz começa a se
tornar mais encorpada e visceral. As músicas que
demonstram esta tendência são "Killer Queen", "In the Lap Of the
Gods", "Lily Of the Valley" e "In The Lap Of The Gods...
revisited". Em 'Lily Of The Valley', Freddie mostra um pouco de sua vasta gama
vocal, transitando de B1 à C4.
Nos discos seguintes, mais precisamente
do disco "A Night At The Opera", até "The Game", Freddie
conseguiu estabilizar sua voz, aprimorando tanto a região dos graves, quanto
dos médios e agudos, usufruindo com clareza de belting, voz de cabeça, voz de
peito, voz mista, voz plena, etc. As canções passaram a exibir registros vocais
equilibrados, sem exageros, tanto nos graves quanto nos médios e agudos. Esta tendência pode ser conferida em canções como "Bohemian
Rhapsody", "Love Of My Life", "You Take My Breath
Away", "Good Old-Fashioned Lover Boy", "The Millionaire Waltz","Seaside
Rendezvous", "My Melancholy Blues" e " Play The Game".
A partir do album "The Game",
a voz de Freddie começou a endurecer, ou seja, se tornou um pouco mais grave,
mas tal característica, de maneira alguma, não o impedia de transitar por regiões
mais agudas, embora fosse menos confortável do que nos anos 70.
Isto pode ser conferido em
"Another One Bites the Dust", onde ele canta em um tom
relativamente baixo na maior parte
da primeira estrofe, e em seguida, começa a cantar uma oitava acima. Na parte
em que diz "Out of the doorway the bullets RIP", Freddie atinge um
esplendoroso E4.
Nos anos posteriores, a medida em que
abusava do álcool e do cigarro,
Freddie, quando cantava ao vivo, já tinha um pouco mais de dificuldade de
repetir alguns de seus registros dos anos 70, embora se sobressaísse, dando
novas e competentes interpretações às canções.
No álbum The
Works, esta característica pode ser notada em músicas como "It's A Hard
Life", "I Want to Break Free" e "Keep Passing the Open
Windows". Em contrapartida, Freddie ainda mantinha-se eficáz quando precisava
realizar registros um pouco mais agudos, como pode ser visto em "Is This
The World We Created".
No álbum A Kind of Magic, sua voz já
encontrava-se um pouco mais grave, e para alcançar as notas mais altas, Freddie
usufruía de falsete e não mais de sua voz de cabeça. Sua voz estava mais
potente e visceral, entretanto, não tinha mais a leveza de outrora. Isto é visível em quase todas as músicas, como One Vision","
Kind Of Magic", "One Year Of Love", "Princes Of The
Universe", "Friends Will be Friends" e "Who Wants To Live
Forever". Em "Pain Is So Close To Pleasure", Freddie opta por falsete
para dar maior leveza à canção.
A tendência é a mesma no disco
"The Miracle". Exceto em algumas passagens esporádicas do disco. Músicas como "I Want It All", "Breakthru",
"Rain Must Fall", "The Miracle", "Kashoggi's
Ship" e "Scandal" demonstram essa tendência. Em "Hang On Em
There" e "Was It Worth It All", Freddie atinge um dos registros
mais altos de sua carreira com voz de cabeça, um E4.
Innuendo é um album peculiar. Neste
album estão inclusos todas as fases da voz do Freddie. Em seus últimos anos de
vida, Freddie fez um esforço sob humano para entregar um album definitivo
do Queen, um album que
contasse com todas as suas características vocais e conseguiu. Está tudo lá,
todos os registros vocais já realizados por Freddie em sua carreira, podem ser
conferidos neste disco. Em algumas músicas como "Don't Try So Hard",
Freddie transita entre falsete e voz de cabeça com extrema facilidade. Em
'These Are The Days Of Our Lives", Freddie canta com um pouco mais de
leveza do que o natural, dando mais dramaticidade, e ao mesmo tempo, doçura à
canção. "I'm Going Slightly Mad" é cantada em um tom muito grave para
Freddie, possivelmente a música com tom mais grave cantado por ele desde a
emblemática "Another One Bites the Dust", e isto pode ser conferido
também em "Ride The Wild Wind".
Em "Innuendo" e "The
Show Must Go On", Freddie contempla o ouvinte com uma versatilidade
descomunal, conseguindo aliar leveza com potência de forma inteligente. Em
"Innuendo", Freddie apresenta um dos mais altos registros vocais sob
intermédio de sua voz de cabeça, um E4. É possível encontrar tais
características também em canções como "Let's Turn It On", "The
Hitman". "All God's People" é uma canção que demonstra o talento
sobrenatural do Freddie, ele transita entre C4, D4, E4 e F4.
• Extensão Vocal:
Seu alcance vocal natural está entre F1
a D5. Isto significa que Freddie tinha um alcance vocal de cerca de 3 (três) e
meia oitavas.
Freddie cantou a maior parte de sua
carreira por meio de sua voz de cabeça e voz mista, e ocasionalmente utilizava
sua voz de peito. Seu recorde alcançado por intermédio de sua voz de cabeça,
sem utilização de falsete, fora um F4, nota alcançada na canção "Barcelona".
• Freddie Mercury Ao Vivo:
Ao vivo, Freddie, na maior parte do
tempo, principalmente nos anos 80, não se preocupava em tentar reproduzir seus
registros mais altos dos discos de estúdio. Nas apresentações dos anos 80,
evitava falsetes, com raras exceções, e priorizava a região dos médios,
cantando quase sempre com sua voz de cabeça. Os falsetes eram, comumente,
executados pelo baterista Roger Taylor.
Entre as raras exceções em que Freddie
executava falsetes ao vivo, aferimos a canção "In the lap of the
gods", mais precisamente, na passagem "It's so easy, So risky, so
funny". Ao vivo Freddie priorizava externar uma voz mais potente e
imponente, utilizando falsetes e vibratos na medida certa, sem exageros.
Certamente, Freddie foi um dos melhores
vocalistaS da história do rock, há controvérsias, pois muita o considera o
melhor. Mas no final das contas, o que vale é o gosto particular de cada um.
Freddie não era extremamente virtuoso, mas aliava técnica à feeling com
maestria, além de possuir muita versatilidade, o que lhe permitia transitar
entre várias vertentes...ópera, rock, pop, etc.
Esclarecimentos sobre termos técnicos
utilizados no artigo:
- Falsete: É o registro vocal externado
quando emitimos uma voz mais aguda da nossa tessítura vocal original.
- Voz de cabeça: Muitas vezes
confundida com falsete, a voz de cabeça é mais aguda com conseguimos fazer, sem
usufruir de falsete. Identificamos que estamos fazendo voz de cabeça quando
sentimos a ressonância do som na cabeça.
- Voz de peito: Voz natural, é a voz
que utilizamos para falar. Identificamos que estamos fazendo voz de peito
quando sentimos a vibração sonora no peito.
- Voz mista: Combinação de voz de peito
com voz de cabeça.
- Belting: É uma combinação da
ressonância frontal com a voz mista.
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