quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Freddie Mercury: Características vocais do cantor

Detentor de uma voz poderosa e extremamente original, Freddie Mercury, apresentou ao mundo aquela que talvez tenha sido a voz mais imponente da história do rock.
O presente artigo têm o intuito de esmiuçar a voz do Freddie Mercury, externando algumas de suas características mais marcantes.

• Características vocais:
Freddie Mercury tinha uma voz extremamente versátil, capaz de transitar, com a mesma competência, por regiões graves, médias e agudas. Por muito tempo, acreditou-se que Freddie era tenor ligeiro, ele tinha um histórico invejável, com a excelente área de 3 oitavas e uma sexta maior, incluindo seu falsete (F1 - D5).
Como o falsete não conta como parte da faixa real de uma pessoa, o seu alcance real na voz plena era de três oitavas (F1 - F4).

Mas, na realidade, Freddie, segundo ele próprio, era barítono, e não tenor. Sua gama mais grave (abaixo de C2) não faz parte da gama de um tenor. Freddie fora um barítono, que cantou a maior parte de sua carreira, na tessítura de um tenor, principalmente nos anos 70.
Normalmente mantinha sua voz entre G2 e G3, sendo que sua voz de cabeça o ajudava a atingir notas altíssimas com facilidade, como pode ser conferido em 'Somebody To Love', onde Freddie demonstra total controle de sua voz, além de técnica primorosa, para um auto-didata. Em algumas músicas do Queen, Freddie chegava a atingir um C4, por intermédio de sua voz de belting e falsete, mas não era uma região confortável para ele, e em virtude disto, ao atingir esta nota, não soava tão natural.
Com o decorrer de sua carreira, Freddie permitiu-se transitar com a sua voz entre E2 e F # 3 (uma terça menor abaixo do seu recorde anterior), embora tenha demorado um pouco para chegar à esta marca confortavelmente. Freddie costumava transitar com sua voz de cabeça entre D3 e F # 3, sendo que o seu falsete, normalmente, transitava entre F3 e G3.
Em "Exercises In Free Love' Freddie alcança um C3, sua nota mais baixa em falsete, sendo que ele vai de A3 até o C3, e em alguns momentos (imperceptíveis para ouvidos não treinados), ele chega em D3, saindo do falsete para sua voz de cabeça, em uma mudança repentina, difícil de notar durante a música, e segue transitando entre C3 e D3 durante a canção.
Ao falar, Freddie mantinha sua voz entre B1 e G2, variando foneticamente, dependendo de inflexões de sotaque (embora tenha nascido em Zanzibar, Freddie tinha um forte sotaque britânico, cheio de maneirismos e peculiaridades). Na maior parte do tempo mantinha sua voz falada em E2.
• História Vocal:
A princípio, acredita-se que Freddie era auto-didata, o mesmo declarava abertamente que nunca havia estudado técnica vocal, entretanto, por tratar-se de um multi-instrumentista, Freddie tinha um ouvido bem treinado e apurado, capaz de identificar tons com facilidade, o que certamente lhe ajudou a desenvolver suas habilidades ao cantar. O único contato que Freddie teve com técnica vocal, fora em um internato, na Índia, quando fazia parte do coral da instituição, onde ele desenvolveu boa parte de sua habilidade de canto.
Com a idade, e o excesso de álcool e cigarros, a voz de Freddie foi naturalmente endurecendo, e se tornando um pouco mais grave, como pode ser aferido no show realizado em Wembley, em 1986, onde se, comparado aos concertos dos anos 70, e embora Freddie se mantivesse afinado, a diferença entre sua voz nos anos 70 para os anos 80 era extremamente perceptível, não estava nem pior, nem melhor. O que ele perdeu em leveza, ganhou na mesma proporção em potência, sendo que sua voz, até o último ano de sua vida, manteve-se excepcional.
A voz do Freddie pode ser dividida em três fases distinta:
- 1972 até 1974 (Predominância de falsetes e voz de cabeça)
- 1975 até 1980 (Predominância de voz mista e voz de cabeça)
- 1980 até 1991 (Predominância de voz de peito e voz mista)

Antes de gravar seu primeiro álbum com o Queen, Freddie tinha o nome artístico "Larry Lurex", e sob este nome, gravou duas canções demos, que serviram como base para que Brian May e Roger Taylor o aceitassem como substituto de Tim Staffell na banda Smile, banda esta, que serviu como embrião para a criação do Queen. A primeira canção gravada fora "Goin Back" (Cover da cantora Carole King) e a outra canção gravada fora "I Can Hear Music" (Cover dos The Beach Boys). Nestas duas canções, nota-se que Freddie cantava de forma muito aguda, demonstrando o que talvez tenha sido o seu maior registro cantando por meio de falsetes. Em "Goin' Back", Freddie canta quase sempre acima da F3, e em "I Can Hear Music", a tônica é uma G3. Pode se dizer que sua voz soava como a de uma mulher.
No álbum "Queen", Freddie continua, em alguns momentos, demonstrando esta tendência externada em sua época como Larry Lurex, como pode ser aferido em canções como "Liar", "Doing All Right", "The Night Comes Down" e "My Fairy King'.
Em Queen II, esta voz aguda continua sendo notada. Como pode ser aferido em canções como "White Queen", "The Fairy Feller's Master Stroke", "Nevermore", "The March Of The Black Queen", "Funny How Love Is" e "Seven Seas Of Rhye".
Já em Sheer Heart Attack, Freddie abre mão da predominância por agudos e se concentra mais nas regiões dos médios e graves, e embora os agudos continuem presentes, nota-se que sua voz começa a se tornar mais encorpada e visceral. As músicas que demonstram esta tendência são "Killer Queen", "In the Lap Of the Gods", "Lily Of the Valley" e "In The Lap Of The Gods... revisited". Em 'Lily Of The Valley', Freddie mostra um pouco de sua vasta gama vocal, transitando de B1 à C4.
Nos discos seguintes, mais precisamente do disco "A Night At The Opera", até "The Game", Freddie conseguiu estabilizar sua voz, aprimorando tanto a região dos graves, quanto dos médios e agudos, usufruindo com clareza de belting, voz de cabeça, voz de peito, voz mista, voz plena, etc. As canções passaram a exibir registros vocais equilibrados, sem exageros, tanto nos graves quanto nos médios e agudos. Esta tendência pode ser conferida em canções como "Bohemian Rhapsody", "Love Of My Life", "You Take My Breath Away", "Good Old-Fashioned Lover Boy", "The Millionaire Waltz","Seaside Rendezvous", "My Melancholy Blues" e " Play The Game".
A partir do album "The Game", a voz de Freddie começou a endurecer, ou seja, se tornou um pouco mais grave, mas tal característica, de maneira alguma, não o impedia de transitar por regiões mais agudas, embora fosse menos confortável do que nos anos 70.
Isto pode ser conferido em "Another One Bites the Dust", onde ele canta em um tom relativamente baixo na maior parte da primeira estrofe, e em seguida, começa a cantar uma oitava acima. Na parte em que diz "Out of the doorway the bullets RIP", Freddie atinge um esplendoroso E4.
Nos anos posteriores, a medida em que abusava do álcool e do cigarro, Freddie, quando cantava ao vivo, já tinha um pouco mais de dificuldade de repetir alguns de seus registros dos anos 70, embora se sobressaísse, dando novas e competentes interpretações às canções.
No álbum The Works, esta característica pode ser notada em músicas como "It's A Hard Life", "I Want to Break Free" e "Keep Passing the Open Windows". Em contrapartida, Freddie ainda mantinha-se eficáz quando precisava realizar registros um pouco mais agudos, como pode ser visto em "Is This The World We Created".
No álbum A Kind of Magic, sua voz já encontrava-se um pouco mais grave, e para alcançar as notas mais altas, Freddie usufruía de falsete e não mais de sua voz de cabeça. Sua voz estava mais potente e visceral, entretanto, não tinha mais a leveza de outrora. Isto é visível em quase todas as músicas, como One Vision"," Kind Of Magic", "One Year Of Love", "Princes Of The Universe", "Friends Will be Friends" e "Who Wants To Live Forever". Em "Pain Is So Close To Pleasure", Freddie opta por falsete para dar maior leveza à canção.
A tendência é a mesma no disco "The Miracle". Exceto em algumas passagens esporádicas do disco. Músicas como "I Want It All", "Breakthru", "Rain Must Fall", "The Miracle", "Kashoggi's Ship" e "Scandal" demonstram essa tendência. Em "Hang On Em There" e "Was It Worth It All", Freddie atinge um dos registros mais altos de sua carreira com voz de cabeça, um E4.
Innuendo é um album peculiar. Neste album estão inclusos todas as fases da voz do Freddie. Em seus últimos anos de vida, Freddie fez um esforço sob humano para entregar um album definitivo do Queen, um album que contasse com todas as suas características vocais e conseguiu. Está tudo lá, todos os registros vocais já realizados por Freddie em sua carreira, podem ser conferidos neste disco. Em algumas músicas como "Don't Try So Hard", Freddie transita entre falsete e voz de cabeça com extrema facilidade. Em 'These Are The Days Of Our Lives", Freddie canta com um pouco mais de leveza do que o natural, dando mais dramaticidade, e ao mesmo tempo, doçura à canção. "I'm Going Slightly Mad" é cantada em um tom muito grave para Freddie, possivelmente a música com tom mais grave cantado por ele desde a emblemática "Another One Bites the Dust", e isto pode ser conferido também em "Ride The Wild Wind".
Em "Innuendo" e "The Show Must Go On", Freddie contempla o ouvinte com uma versatilidade descomunal, conseguindo aliar leveza com potência de forma inteligente. Em "Innuendo", Freddie apresenta um dos mais altos registros vocais sob intermédio de sua voz de cabeça, um E4. É possível encontrar tais características também em canções como "Let's Turn It On", "The Hitman". "All God's People" é uma canção que demonstra o talento sobrenatural do Freddie, ele transita entre C4, D4, E4 e F4.
• Extensão Vocal:
Seu alcance vocal natural está entre F1 a D5. Isto significa que Freddie tinha um alcance vocal de cerca de 3 (três) e meia oitavas.
Freddie cantou a maior parte de sua carreira por meio de sua voz de cabeça e voz mista, e ocasionalmente utilizava sua voz de peito. Seu recorde alcançado por intermédio de sua voz de cabeça, sem utilização de falsete, fora um F4, nota alcançada na canção "Barcelona".

• Freddie Mercury Ao Vivo:
Ao vivo, Freddie, na maior parte do tempo, principalmente nos anos 80, não se preocupava em tentar reproduzir seus registros mais altos dos discos de estúdio. Nas apresentações dos anos 80, evitava falsetes, com raras exceções, e priorizava a região dos médios, cantando quase sempre com sua voz de cabeça. Os falsetes eram, comumente, executados pelo baterista Roger Taylor.
Entre as raras exceções em que Freddie executava falsetes ao vivo, aferimos a canção "In the lap of the gods", mais precisamente, na passagem "It's so easy, So risky, so funny". Ao vivo Freddie priorizava externar uma voz mais potente e imponente, utilizando falsetes e vibratos na medida certa, sem exageros.
Certamente, Freddie foi um dos melhores vocalistaS da história do rock, há controvérsias, pois muita o considera o melhor. Mas no final das contas, o que vale é o gosto particular de cada um. Freddie não era extremamente virtuoso, mas aliava técnica à feeling com maestria, além de possuir muita versatilidade, o que lhe permitia transitar entre várias vertentes...ópera, rock, pop, etc.
Esclarecimentos sobre termos técnicos utilizados no artigo:
- Falsete: É o registro vocal externado quando emitimos uma voz mais aguda da nossa tessítura vocal original.
- Voz de cabeça: Muitas vezes confundida com falsete, a voz de cabeça é mais aguda com conseguimos fazer, sem usufruir de falsete. Identificamos que estamos fazendo voz de cabeça quando sentimos a ressonância do som na cabeça.
- Voz de peito: Voz natural, é a voz que utilizamos para falar. Identificamos que estamos fazendo voz de peito quando sentimos a vibração sonora no peito.
- Voz mista: Combinação de voz de peito com voz de cabeça.
- Belting: É uma combinação da ressonância frontal com a voz mista.